“Eu sou favorável à tortura, você sabe disso” – a frase do Coiso-fã-de-Ustra indica tamanha deformidade moral que a gente se estarrece com o fato de que este sujeito, com tantos sintomas de psicose grave, ocupa hoje a presidência da República. Tortura é um crime contra a humanidade e uma atrocidade desumana: qualquer um que a elogie enquanto prática de Estado demonstra ser um “doente moral”, uma aberração ética, e por isso evidentemente inadequado para qualquer função de responsabilidade na administração pública.
Atordoados pelo genocídio pandêmico perpetrado sob o desgoverno Bolsonarista, precisamos urgentemente de memória. Pois o esquecimento coletivo pode também ser uma peste que nos condena a repetir o que de pior vivemos no passado. Uma terapia coletiva que nos re-desperte para o quanto são inaceitáveis quaisquer defesas ou apologias das atrocidades cometidas pelo terrorismo de Estado brasileiro durante o regime nascido do golpe de 64 – aquele que, como mostram livros como Infância Roubada (da Comissão da Verdade SP) e Cativeiro Sem Fim (de Eduardo Reina), também vitimou muitas crianças e adolescentes através das brutalidades instituídas de que Jair Bolsonaro é o sádico defensor.
A “deformação moral” explícita no elogio escancarado de práticas de tortura, por exemplo, indica um adoecimento ético que não atinge apenas este indivíduo, Jair em carne-e-osso, mas manifesta-se como uma espécie de epidemia ideológica: 57 milhões de brasileiros depositaram nas urnas, em 2018, por mais desinformados e desnorteados que estivessem, um voto em prol de tal projeto: armamentista, violento, torturante, em que prosseguem as “matanças contra índios, matanças contra negros, matanças contra homossexuais, matanças contra comunistas…” (Dermi Azevedo).
Por que insistimos em empoderar, ou deixar que se empoderem, por mais fraudulentas e vis que sejam as vias por eles tramadas, estes Senhores da Matança e estes letais “profissionais da violência”? Como podem as instituições serem coniventes e cúmplices com neofascistas da seita Bolsonarista, como ocorreu quando o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que “passou pano” para todos os crimes eleitorais da chapa Bolsonaro-Mourão (caixa 2 para disparo de fake news e discurso de ódio em mídias sociais, escândalo revelado durante o processo eleitoral pelo jornal Folha De São Paulo), decidir aplicar censura a uma propaganda da chapa Haddad (PT) – Manuela D’Ávila (PCdoB) que expunha o longo histórico de apologia à tortura que mancha o currículo já tão imundo do Coiso?
Este é o nosso país: censura, cala e prende quem diz a verdade, empodera e deixa impune os mitomaníacos e seu Exército de Pinóquios. O Planet Hemp foi em cana por apologia à maconha (o proibicionismo brucutu está calcado no negacionismo da ciência que desvenda todos os mistérios dos benefícios concretos, psico-somáticos, da cannanis) – já Seu Jair da casa 58 está solto, impune, ainda que sua apologia da tortura e seu desprezo pela vida humana o tornem o responsável-mor por um grande morticínio. Faça apologia de uma erva natural que não pode te prejudicar – e vá parar na cadeia. Faça apologia da tortura e do Ustra mete-rato-em-vagina-de-mulheres – e vá parar no Palácio do Planalto. O Brasil não é mesmo para amadores…
Um dos mais importantes documentários curta-metragem lançados no Brasil nos últimos tempos é certamente “Atordoado, Eu Permaneço Atento” (que inspira-se, em seu título, em verso da “Cálice” de Chico e Milton). Faça o download completo (via Fórum Making Off) – acessar torrent (355 mb). [TORRENT/DOWNLOAD]
O filme dá voz ao jornalista Dermi Azevedo, com 49 anos de serviços prestados ao jornalismo, que foi torturado pela Ditadura em 1974 – “seu filho de 1 ano e 8 meses também foi vítima de tortura na época…”. No site do UOL, esta saga sangrenta é contada em mais detalhes:
“Dermi Azevedo não tem rancor, tem memória. Diz isso com a voz entrecortada pela Doença de Parkinson, mas também pela emoção de ter sua vivência de tortura contada em um filme que concorre a melhor curta-metragem no 48º Festival de Cinema de Gramado….
Dirigido por Lucas H. Rossi dos Santos e Henrique Amud, “Atordoado, Eu Permaneço Atento” traça um perfil da militância desse jornalista e cientista político levado ao DEOPS (Departamento de Ordem Política e Social) em 14 de janeiro de 1974, depois de agentes encontrarem em sua casa no bairro do Campo Belo, em São Paulo, o livro “Educação Moral e Cívica e Escalada Fascista no Brasil”, coordenado pela educadora Maria Nilde Mascellani e com a digital intelectual de Dermi e da esposa, Darcy….
A obra trazia uma análise da Educação Moral e Cívica (EMC) como disciplina imposta pelo regime militar em todos os currículos escolares do país. Os militares teriam ficado particularmente irritados com a informação de que o estudo fora enviado ao Conselho Mundial de Igrejas, com sede em Genebra, na Suíça, para ser divulgado mundialmente.
Era a segunda detenção de Dermi. A primeira ocorreu em 1968, no Congresso da União Nacional de Estudantes (UNE), em Ibiúna, quando era líder estudantil. Além das agressões na própria carne, o que o dilacerou e dilacera é a violência com o que os agentes da repressão trataram seu primogênito, Carlos Alexandre Azevedo — o Cacá — na segunda prisão.
A mãe de Cacá, a pedagoga Darcy Andozia, também tinha sido encarcerada, e o bebê de apenas 1 ano e 8 meses havia ficado em casa com a babá. Porque chorava de fome, a criança recebeu um soco na boca. Com os lábios sangrando, também foi “conduzida” ao DEOPS, onde teria levado choques elétricos, segundo relato de outros presos… Ao ser entregue aos avós maternos em São Bernardo do Campo, Cacá foi jogado ao chão. “Tudo isso o marcou profundamente”, diz Dermi. O filho desenvolveu fobia social. Em 2013, aos 40 anos, suicidou-se com uma overdose de medicamentos….
É esse o principal mote de Dermi e dos diretores de “Atordoado”: alertar para a normalização da tortura e para o clima de ódio que paira na atmosfera brasileira. Lucas afirma que a ideia do filme surgiu logo depois da eleição de Jair Bolsonaro. “Temos um presidente que defende a ditadura, que levanta a bandeira do Ustra (coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra). Eu queria falar sobre esse desgoverno, e a história do Dermi estabelecia um paralelo entre os anos de chumbo e os tempos atuais.”- Veja mais
Publicado em: 13/02/21
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia